Nicholas Negroponte, pai do OLPC, escreveu um único livro em sua vida. "A Vida Digital" (Being Digital), lançado em 1995, era uma compilação dos artigos que escrevia para a Wired. E um pouco mais. Nicholas dirigia então o Media Lab, do MIT, um órgão que ele ajudou a fundar. Temo que seu livro, particularmente aqui no Brasil, tenha vendido menos que aquele que o Bill Gates lançou no mesmo ano. Tudo bem, a história fará o julgamento final.
Na página 57 da 1ª edição brasileira de "A Vida Digital" Nicholas escreveu o seguinte:
A lei do direito autoral está totalmente ultrapassada. Trata-se de um artefato gutenberguiano. Como se trata de um processo reativo, é provável que sucumba inteiramente antes que se possa corrigi-la.Creative Commons nasceu em 2001, da cabeça do advogado Lawrence Lessig, tentando "corrigir" as leis de direitos autorais. Corrigir o quê? Vamos colocar a questão de uma forma bem simples (simplista?). Até então só haviam duas alternativas quando gerávamos algum tipo de conteúdo (criação):
A maior parte das pessoas preocupa-se com os direitos autorais em razão da facilidade de se fazerem cópias. No mundo digital, a questão não é apenas a facilidade, mas também o fato de que a cópia digital é tão perfeita quanto o original, e, com o auxílio do computador e de alguma imaginação, até melhor.
- Travá-lo formalmente através do 'Copyright'. A formalização ocorre através do registro da obra. Um livro (apostila ou qq outro tipo de texto escrito) era registrado na Biblioteca Nacional. Músicas são registradas através de editoras (cartórios?). Muita gente escreve "copyright" em algumas criações mas não formaliza nenhum registro. Desta forma, a prova da autoria original fica um pouco mais complicada. Como não sou advogado, não vou me aventurar nos labirintos da legislação. O que vale aqui é o seguinte: registrou o conteúdo? Então você tem total direito sobre ele. Você dita quantas cópias podem ser feitas. Copyright = Direito de Copiar.
- O conteúdo "não-protegido" (não registrado) podia ser automaticamente considerado como de "domínio público". Quando uma criação tem seu período de proteção expirado (era 50 anos), ela também se torna de "domínio público". Ou seja, qualquer um pode fazer o que quiser com aquela obra. Fiquei muito triste ao saber que gente que tá muito velha pro rock mas jovem pra morrer estava defendendo, na Inglaterra, a extensão do 'copyright' para 100 anos! Pois é, o Jethro Tull caiu nessa. Pô, eles estão jovens mas nem tanto, né? Querem garantir sustento para os bisnetos? Oras, que eles aprendam a fazer um novo "Aqualung"!
De uma forma resumida, podemos dizer que a configuração de uma licença Creative Commons se dá a partir de quatro parâmetros:
- Atribuição: se ativada, você requer que a pessoa (usuário), quando copiar seu trabalho, obrigatoriamente cite o autor original.
- Não-Comercial: a pessoa pode copiar e distribuir a sua obra, desde que não seja com fins comerciais. A licença "aconselha" que, em caso de razões comerciais, o autor original seja procurado para uma negociação.
- Não-Derivativos: a obra não pode ser "remixada", ou seja, não pode ser alterada. Se copiada e distribuída, deve sê-lo em sua forma original.
- Compartilhe da mesma forma: quando ativado este parâmetro, a pessoa deve redistribuir a obra (particularmente aquela que ele alterou), sob a mesma licença.
O processo de licenciamento é do tipo que eu chamo de "anti-cartório". Através do site da Creative Commons você configura uma licença, pega sua etiqueta (código HTML + XML) e a coloca em sua obra. A instituição Creative Commons não tem fins lucrativos. Ela vive de doações. A adaptação para a legislação do Brasil foi executada pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). Ou seja, tudo que tá escrito aí já é aceito em qualquer tribunal brasileiro.
Já existem centenas de milhares ou talvez até milhões de trabalhos liberados sob licenças CC. São músicas, filmes, fotos (o Flickr tem uma área só para trabalhos CC), livros, blogs, artigos, palestras, apostilas e até trabalhos científicos. Esta página da Wikipédia é uma excelente fonte de referências e repositórios.
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Não arrisco muito ao dizer que licenças CC são a "contra-mão" do DRM (Digital Rights Management). Uma alternativa mais justa, respeitosa e inteligente do que o DRM. DRM parte do princípio que você é um ladrão. Tenta (sem nenhuma chance de sucesso), garantir que uma música ou filme não será pirateado. É um "tiro no pé", já que os custos de desenvolvimento e os riscos jurídicos acabam por encarecer os produtos finais. O pior caso de uso do DRM aconteceu agora em 2006, quando a Sony "plantou" um rootkit em alguns CD's de músicas. Foi processada e deve gastar alguns milhões de dólares em indenizações.
O Windows Vista e o Media Player versão 11 implementam um tipo de DRM que pode ser ainda mais danoso para os usuários finais, principalmente para aqueles que compram produtos legais. O próprio Bill Gates, há poucos dias, confirmou que DRM é um tremendo engano. Pena que não dá mais tempo para ele corrigir o Vista. O engano foi colocado no núcleo do novo sistema operacional.
Para finalizar, uma história curiosa. No início de 2005 Bill Gates chamou os defensores da Creative Commons de "modern-day sort of communists". Comunistas dos tempos modernos! Um ano depois a MS anunciava orgulhosa que as novas versões do MS Office vão etiquetar (automaticamente) todo conteúdo liberado sob licenças CC.
Valeu pelo post Paulo!
Anônimo
1/04/2007 4:29 PM