Continuação de "SOOS :: Arquitetura, Serviços e Grana", que é parte da série "Fumaça, Fogo e Fogaréu".
Em 18/jan eu pedi uma semana para encerrar esta série. Estiquei um pouco a saborosa pesquisa (sci-fi na véia veia) e a história quase caiu no esquecimento. Quando estava quase terminando a faxina radical em minhas gavetas, apareceu o pobre SOOS, com cara de cachorro que caiu do caminhão de mudança. Lógico que eu preciso tentar dar um final digno para a séria série. Tentarei hoje, comemorando os 3 anos de vida do Graffiti.
Todas as outras partes desta série falaram mais da arquitetura, dos fundamentos do SO do século XXI. Ficou para agora, o último capítulo, a única porção do SOOS que interagirá diretamente com a gente. E as mudanças, em relação ao cenário atual, devem ou deveriam ser drásticas.
Há quanto tempo estamos limitados ao teclado e ao mouse? Mais de vinte anos*! Vinte anos, no mundo da tecnologia, é uma vida inteira. Vimos nascer os processadores de 32 e 64 bits. Os monitores ficaram fininhos e ecologicamente corretos. Os celulares ficarão mínimos em tamanho e bonitinhos. A Web apareceu para mudar tudo. Mas seguimos limitados ao teclado e ao mouse.
Eu sei, a IBM (com o ViaVoice) e mais recentemente a MS fizeram alguns avanços no campo do reconhecimento de voz. Mas é muito pouco. Já era para a gente estar conversando com nossas máquinas há muito tempo. Eu disse *conversando*, e não apenas falando. Ou seja, não basta que as máquinas ouçam. Faz todo o sentido que elas respondam da mesma forma. Seria o mesmo protocolo e a mesma língua, certo?
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Em 1968, há quase 40 anos, nós conhecemos o HAL 9000. Ele era o protagonista (?) de "2001", uma das obras-primas do Kubrick. Tão significativo que Arthur C. Clarke esperou o filme ficar pronto para encerrar seu livro. HAL conversava com seus usuários. E enxergava tudo que ocorria em seu ambiente (no caso, uma nave espacial). Vamos desconsiderar o lado mau (persistente?) do HAL. O fato é que a interação com ele é muito natural.
HAL ganhou uma espécie de 'irmã' no filme "Alien", de Ridley Scott. Estamos em 1978. A interface era muito semelhante. E seus usuários a chamavam de "Mãe". Estranho, mas depois disso, de certa forma, os computadores perderam um pouco de inteligência e de charme. Em 1982, em "Blade Runner" do mesmo Ridley, um computadorzinho especialista limita-se a ouvir os comandos de Harrison Ford. É especializado em análise de imagens. Um tipo de scanner vitaminado. E a história se passa em 2019.
Sci-fi fica em baixa por uns tempos. Saltamos diretamente para 1999, para "The Matrix". Fica difícil falar sobre interação aqui. Afinal, Matrix é um universo todo. E as poucas interfaces que aparecem são meramente decorativas. Ou alguém acredita na usabilidade / legibilidade daqueles caracteres de fósforo verde que despencam na tela? Como dica cultural, fica o seguinte: uma das melhores coisas de Matrix é "Animatrix". "O Recorde Mundial" e "Uma História de Detetive", dois de seus 'programas', contribuem mais para a saga do que qualquer uma das duas seqüências que foram filmadas.
Finalmente chegamos em 2002, ano do lançamento de "Minority Report", de Steven Spielberg. De todos, foi o único que envolveu cientistas de verdade. Spielberg promoveu uma gigantesca sessão de "toró de parpite" (aka Brainstorming) com vários especialistas para tentar projetar como seria o mundo em 2054. Os jornais recebem notícias em tempo real. As vitrines conversam com clientes em potencial. A metrópole se transforma num imenso Big Brother: todo mundo é vigiado e rastreado. Mas, na hora de manipular um micro, Tom Cruise parece estar fazendo algum tipo de malabarismo!?! Com o auxílio de umas feias luvas, ele arrasta janelas, minimiza-as, dá zoom. Será o nosso futuro tão horripilante? Será que os especialistas em usabilidade que ele chamou são os projetistas do Aero 3.0? (hehe.. brincadeirinha...)
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Como fiz em todas as partes desta série, vou surrupiar alguns trechos de "A Vida Digital", livro que Nicholas "XO-1" Negroponte lançou em 1995:
Trinta anos atrás, usar um computador, assim como dirigir um módulo lunar, era coisa para poucos versados na parafernália necessária para pilotar essas máquinas, às vezes com o auxílio de linguagens primitivas ou linguagem nenhuma (apenas interruptores e luzes piscando). Na minha opinião, havia um esforço subconsciente de manutenção do mistério, como o monopólio dos monges ou algum bizarro rito religioso da Idade das Trevas.Não tenho dúvidas, o SOOS será o primeiro a romper com a idade das trevas-dos-cliques-menus-e-travas. Ainda que um teclado e um mouse estejam disponíveis para quem quiser usar. O próprio Negroponte diz, "não há solução 'melhor' no desenho de interfaces". Ou seja, o SOOS será multi-caras e multi-modos.
Estamos pagando por isso até hoje.
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As futuras interfaces homem-computador serão baseadas na delegação de tarefas, e não no vernáculo da manipulação direta - menus que descem, pipocam, cliques - e do comando por mouse. A 'facilidade de uso' tem constituído uma meta tão obrigatória que, às vezes, nos esquecemos de que muitas pessoas simplesmente não querem usar a máquina: querem que ela desempenhe uma tarefa.
Quando estou deitado na rede, folheando a Wired, não quero clicar num controle remoto para o Amarok (ou iPod) mudar de Beth Orton para Aimee Mann. Deveria bastar uma breve *ordem*. Falada. Se não tiver entendido, o SOOS pergunta: "Aimee Mann ou Pearl Jam?". Sacana... "Então toca 'Black' e depois vai direto para 'The Forgotten Arm', ok?"
Ninguém mais se lembra, mas o SOOS não seria uma exclusividade dos computadores. TVs, celulares, media players, liquidificadores**, automóveis... O SOOS - que não é um monopólio e sim uma plataforma comum e ABERTA - estaria em tudo.
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Há poucos dias eu comentei que só faltam duas coisinhas para o Ubuntu (ou qualquer distro Linux decente) cair no gosto das massas: distribuição e uma revolução em termos de usabilidade. O primeiro desafio começou a ser vencido, com o acordo assinado com a Dell. Era o mais fácil.
Chegou a hora de desafiar a mesmice dos cliques e menus (que pipocam). Aero, Exposè, Beryl e Compiz são bonitinhos, mas não têm nada a ver com os verdadeiros desafios. Que nossos novos cientistas saibam ignorar as bobeirinhas de "Minority Report" e "Matrix", e consigam nos dar um HAL 'do bem'.
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* O primeiro mouse foi patenteado pela Xerox no dia 17/nov/1970!! Sua primeira versão comercial foi lançada em 1981. Mas foi Steve Jobs, com o primeiro Mac, que popularizou o brinquedinho.
** Liquidificadores sempre aparecem em meus exemplos. É que Varginha é o maior fabricante mundial. Não tem nem pra China! Só que eles ainda não saem de fábrica com o SOOS... tsc, tsc...
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