Sobre

Graffiti \Graf*fi"ti\, s.m.
desenhos ou palavras feitos
em locais públicos. 
Aqui eles têm a intenção de 
provocar papos sobre TI e afins.

O Graffiti mudou!

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A Vida Começa aos 40?

29 outubro 2008

Se sim, então devemos esperar belas novas no dia 29 de outubro de 2009. Nossa querida, indispensável, ubíqua, instável, temida e mal entendida Internet estará completando seu 40º aniversário.

Sim, hoje é aniversário da Internet. Não vi velinhas, mas não posso deixar de registrar. Da mesma forma que o fiz tempos atrás. Mostrando sua certidão de nascimento (o primeiro log)...



... e o primeiro retrato:

Diz aí, não era uma gracinha?

Hoje, balzaquiana, segue bonitona. E indispensável, ubíqua, instável... promissora. Ninguém mais saberá viver sem ti, adorável coroa!

Tenho consumido alguns poucos minutos diários com a leitura de "Os Homens que não Amavam as Mulheres", best-seller de Stieg Larsson muito comentado nos últimos tempos. É a primeira parte de uma trilogia chamada "Millennium". E a primeira vez que pego um livro da moda desde "O Código Da Vinci". Bem escrito, bem sacado e grudento, parece um mix de Agatha Christie, Dan Brown e William Gibson (de "Reconhecimento de Padrões"). Da primeira o "whodonit"; de Dan o passeio descrito com certa minúcia; e de Gibson a antena e a personagem Lisbeth Salander (mal identificada na nossa mídia como uma 'hacker'. Simplista, pra variar).

Bom entretenimento. Mas existem dois outros fatores que merecem destaque. Aliás, que merecem ser tratados aqui no Graffiti.

O primeiro é a excelente tradução de Paulo Neves - que não partiu do original sueco e sim de uma versão francesa do romance. Seu cuidado, particularmente com os termos técnicos, deveria ser observado por aqueles que traduzem livros de negócios e informática aqui em Pindorama. Paulo Neves soube distinguir termos que mereciam tradução daqueles que deveriam ser mantidos em sua forma original. Critério simples: qual forma está no nosso dia-a-dia? Sem inventar roda, deu um show de tradução.

Destaco este ponto porque estou com o saco cheio de ver "business process" virar "processo comercial", "commodity" virar "mercadoria", XP virar "Programação eXtrema", "cloud computing" virar "computação nas nuvens" ou "de nuvens" e outras cagadas de igual calibre. É impressionante o relaxo de gente de nome como Editora Campus, Bookman, Abril e outras. Se não conseguem encontrar bons tradutores, que publiquem então as versões originais. Atenção: um bom tradutor de livro técnico deve ter formação técnica e viver no meio. Não basta saber inglês, ok?

Segundo ponto. Saca só um trechinho:

Se um repórter, no Parlamento, realizasse sua tarefa do mesmo modo, sustentando sem a menor crítica cada moção proposta, ainda que totalmente insensata, ou se um jornalista político carecesse de uma forma semelhante de julgamento, esse jornalista seria despedido ou pelo menos transferido a um serviço no qual ele ou ela não pudesse causar prejuízos. No jornalismo econômico, porém, não é a missão jornalística natural que prevalece, ou seja, oferecer aos leitores análises críticas e um relato objetivo dos resultados. Não, aqui se celebra o vigarista mais bem-sucedido. E é assim que o futuro da Suécia está sendo moldado, minando-se a última confiança ainda depositada nos jornalistas como categoria profissional.
O texto acima é de um livro que o protagonista de "Os Homens...", Mikael Blomkvist, publicou. Mikael, vale citar, é o alter-ego de Stieg, que também foi um ativista político e jornalista econômico. Por que o trecho merece destaque?

Oras, troque "jornalismo econômico" pela prensa que cobre nosso mercado (TI). Troque Suécia por Brasil. Está ali uma visão bem clara de nossa prensa que se diz especializada. Duvida?

graffiare #465 - Tudo Azul?

28 outubro 2008

Many developers who attended the October 27 unveiling of Azure at the Microsoft Professional Developers Conference in Los Angeles are still trying to get their heads around what Azure is and how it will work.

Mary 'Jo Jo Gunne' Foley na ZDNet.


Só pra variar, parece que a MS (Mon Amour!) deu um show de desinformação no PDC de ontem. Requentando idéias e um slide que, salvo engano, já rola por aí tem uns 3 ou 4 anos:


Tá certo, ficou menos poluído. Mas a confusão é a mesma. Tanto que o Ballmer pode tentar utilizar a mesma explicação de 2004:

It's about connecting people to people, people to information, businesses to businesses, businesses to information, and so on.

Caramba, o defeito da bússula da MS é tão medonho que até em campanhas publicitárias (caso Seinfeld) eles andam barbeirando feio. E olha que era só pra vender PC (e Vista). Imagina agora, que devem explicar algo tão complexo como a "computação na nuvem"...

Começaram bem: e um gênio marketeiro achou que "Azure" (Azul) tinha tudo a ver. Hehe... tem sim. No mundo MS não há nuvem nenhuma!! É o céu do Brigadeiro Ballmer...

Só quando outra categoria passa a usar e se lambuzar com um termo só seu é que a gente entende o tanto que irrita uma língua própria e fajuta, né? Variações de "alavancar" estão por todo lado desde que o Muro-do-Bushinho caiu - desde que a crise financeira mundial explodiu. Alavancar? Alavancagem?!? Bom, ainda bem que o Aurélio é antenado:

Alavancagem sf. 1. Ato ou efeito de alavancar. 2. Econ. Proporção de recursos de terceiros na estrutura de capital de uma empresa.
Ah bom: significa que nosso caixa é formado por grana que não é só nossa, grana que de uma forma ou d'outra é emprestada. Ah... Agora fica mais fácil entender os dizeres d'uma economista muito bonitinha que apareceu num programa de TV ontem. Com sua língua própria ela explicou que médias e pequenas empresas do ramo de serviços passarão por maiores dificuldades nos próximos meses. Razão? São muito "alavancadas"! E seriam muito "alavancadas" porque lidam com um custo fixo muito alto. No popular: custo fixo = mão-de-obra. Ah...

Mas qual a origem das dificuldades? Os bancos estão segurando as alavancas... se borrando de medo de emprestar grana e ficar com o papagaio na mão... Ah... Os mesmos bancos que acabaram de divulgar lucros recordes? Sim! Ah...

E qual a solução da economista bonitinha? Que o governo estique os prazos para recolhimento de impostos; que o governo reduza impostos; que o governo...

A gente até se esquece que quando falam em GRANA DO GOVERNO estão falando em GRANA NOSSA, né? Então os bancos podem seguir sua política, comprando TÍTULOS DO GOVERNO ao invés de IRRIGAR o mercado? E nós pagamos duas vezes por isso?!? Que mundo maluco...

.:.

Mas eu abri este post com outras intenções. Pequenas e médias empresas de serviços. Hmm... pega em cheio nosso mercadinho de TI, não? Pega sim, um considerável universo de empresas Alavancadas & Ferradas. Empresas que nos últimos tempos iniciaram um belo processo de auto-limpeza: começaram a registrar funcionários, eliminando PJ's e afins... Essa gente, covardemente alavancada, é que começará a sofrer com a queda do muro-do-bushinho...

Break! Não tô aqui, em tom apocalíptico, negando o que escrevi na última sexta-feira. Mantenho o otimismo que, eu disse lá, não é babão/bobão. Isso não significa que devemos ignorar a tal "Economia Real" (como se qq outra não fosse uma imensa bullshitagem-sacanagem). O problema é sério.

E pega em cheio algumas de nossas últimas ondas: fábricas de software e serviços de telemarketing. Empresas "alavancadas" por natureza. Não ligo se elas se forem. Melhor dizendo: torço para que modelos de negócio mais criativos e modernos sejam desenhados com suas cinzas.

O problema é que várias empresas que não têm nada a ver com isso devem sofrer também. Com serenidade, não há melhor momento para rever modelos e planos. Com serenidade e otimismo. Um bom começo é a busca de alavancas alternativas. Um bom papo com o gerente do banco, cortando aqueles produtos-gracinha que pareciam ter sentido mas que custam grana. Sejamos criativos. O Criativo cria a si mesmo. O Criativo usa alavancas criativas. Não muletas!

Parece que foi ontem. Mas foi em 2/dez do ano passado. Ontem foi outro dia.. O Dia da Ressaca do Ano! Ressaca justa: o Timão encerrou suas férias da primeira divisão. O Coringão voltou!

Não era surpresa pra ninguém. Mas o que explica aquela festa toda, toda aquela comoção no sábado? O que explica aqueles generosos minutos no JN, Esporte Espetacular, Fantástico et cetera? O que explica a paixão d'um Louco?

Foto surrupiada de Daniel Kfouri.

Nada. Ninguém explica. Se você é Louco, sente. Se não, fica aí com cara de bobo... e, quem sabe, uma pontinha de inveja. Só o Timão é uma torcida que tem um time. Isso faz uma diferença danada. Uma diferença que apareceu nos 32 jogos do time na segundona.

Como pedi no terrível 2 de dezembro de 2007, tive minh'alma Louca lavada com Q'Boa. O time, os 39 caras que passaram por lá, mais a mão firme do Mano, souberam nos respeitar. Foram dignos e respeitaram também os outros 21 adversários. Mal informados falarão que foi fácil. Foi não. Uma ponta de amargura existiu em cada jogo. Amargura, Angústia, Ansiedade... quem disse que isso é fácil? Foi fácil não.

E é por isso que, apesar de inexplicável, é compreensível o que aconteceu no último sábado. Uma nação com trinta e tantos milhões de habitantes estava desabafando 10 meses e alguns dias de amargura, angústia e ansiedade...

[Lá pelas tantas, 21hs, depois de rodar por 3 lugares, depois de litros de cerveja, sem achar meu lugar e a correta expressão do que eu sentia, reclamei com meu irmão: "Ainda não me deixaram chorar..."]

Agora, devidamente vestido com as roupas e as armas de Jorge, ouso repetir o que pedi naquele fatídico 2/dez: em 2010, no ano do centenário, queremos Libertadores e o Mundial. Pois é: somos um bando de loucos! E como é gostosa essa loucura...

Réquiem dos Pequenos

24 outubro 2008

O título aí é de um somzão dos Paralamas (Severino, 1994). A música me vem sempre que vejo alguém se "apequenar", amedrontar... acovardar:

te falta o gesto largo, a ébria poesia
TE SOBRA A PEQUENEZA, AS PEQUENAS CERTEZAS
como agenor dizia


Seth Godin falou sobre a mesma coisa no último domingo, comentando efeitos colaterais da crise financeira. A EXAME da quinzena apresenta o tema na capa: "Para Onde Ir Agora?". Traz uma pequena pesquisa com 268 empresas tupiniquins, de diversos portes. Eu já disse por aqui: crises assim são boas para que a gente saiba distinguir empresas-joio de empresas-trigo. Parece que temos uns 60% de empresas-joio por aqui...

60% daquelas que responderam que "o cenário de negócios para o próximo ano piorou". Tipo de profecia que força sua realização - questão de estado de espírito. Afinal, se ninguém sabe dizer o que está acontecendo ou o que vai acontecer, como o cenário de negócios pode ter piorado? Detalhe: apenas 2% (5.36 empresas que participaram da pesquisa) disseram que o cenário melhorou. Como fiquei louco para saber quais são elas. Quero comprar delas! Quero fazer negócios com esses 2% de empresas-trigo!!

Porque é esse o estado de espírito necessário em tempos de crise. Crise, lá na China, é Wei-Ji. "Problema + Oportunidade". Ok, todo mundo sabe disso. Mas de que adianta saber se não pensa assim? Só 2% de nossas empresas estão vendo as imensas oportunidades que a grave crise nos apresenta.

Já estou planejando 2009... e já "carquei" ali as mesmas metas que havia colocado para este ano: dobrar tudo! Dobrar o número de eventos, o faturamento, os serviços de consultoria e a audiência do finito. Metas humildes são bobagens! E em julho deste ano eu já havia dobrado toda a audiência que tive em 2007. Não.. hehe.. o faturamento não acompanhou a curva. Mas já fechei a "quota" de 2008. Atenção: não se trata de otimismo "babão / bobão". É tudo uma questão de estado de espírito. Sou um burro que só se move se a cenourinha na minha frente for grande e suculenta.

Mas tem gente que prefere sentar e chorar... 60% de "Hardy Har Har" lamentando: "Ó Céus, ô dia... justo agora que a gente tinha tudo pra crescer... justo agora que comprei aquele carrão de 100k em 100k prestações... justo agora..."

Mais Paralamas:

A VIDA NÃO TE INTOXICA ENQUANTO CONTAS TROCADOS
não vês o anzol e a linha da vida que passa ao teu lado
TE FALTA SUBIR AO MAIS ALTO, TE FALTA DESCER AO MAIS BAIXO
te sobra a maldita prudência, alegrias compradas a prazo

Touch the Android to Begin

17 outubro 2008



Folheando a generosa galeria de imagens do T-Mobile G1 me perguntei: será que alguém ainda duvida do estrago que a Google fará no mercado de dispositivos móveis?

O Lula falou, o Lula avisou que a tsunami econômica por aqui seria só uma 'marolinha'. Não será. Não sou pessimista, mas a gente sabe que Pindorama não é essa Fortaleza toda.

Por enquanto, marolinha mesmo só na Google. Aliás, como eu já havia chutado por aqui em 21/dez/07:

As ações da Google não devem se sustentar no padrão atual, mas a queda não deve ser muito significativa. Na verdade vai ter gente vendendo ações de outras companhias para colocar a grana em terreno fértil. E, há 10 anos, terreno fértil é a Google.


Anunciando lucros de 26% e com ações abaixo dos US$ 400? Aposto que ainda hoje a Google ficará mais cara. Mas, de qq forma, a previsão acima estava certa também!

Ontem (16/out/08) a Reuters publicou o seguinte:

But investors said Google appeared to be alone in its ability to weather the economic storm.

Crises assim, que secam grana, servem para a criação de uma nítida fronteira entre empresas-joio e empresas-trigo. Em TI, estamos vendo, a crise separa empresas do século passado daquelas que se desenham para um novo tempo.

Consequências naquele museu de grandes novidades de Redmond:

Ballmer fala e fala e fala. Num momento em que tudo o que se espera é ação. E silêncio.

Management is telling people what to do, which is a vital part of any industrial economy. Leadership is figuring out what ought to be done then getting people to do it, which is very different. It is a vital part of any successful post-industrial economy, too, but most managers don’t know that.

Robert X. Cringely (em "Leadership: Post-industrial management requires a different skill set")


Embora Max Weber esteja morto há quase noventa anos, controle, precisão, estabilidade, disciplina e confiabilidade - as características que ele exortava em seu hino à burocracia - continuam sendo as virtudes canônicas da gestão moderna. Embora talvez deploremos a "burocracia", ela ainda constitui o princípio organizador de praticamente todas as empresas dos setores público e privado do mundo, inclusive a sua. E embora gestores progressistas possam trabalhar com afinco para atenuar seus efeitos imbecilizantes, há poucos que conseguem imaginar uma alternativa completa para ela.

Então aqui estamos: ainda aperfeiçoando os quebra-cabeças ao estilo de Taylor, e trabalhando em organizações ao estilo de Weber. Para ser justo, muitos dos novos desafios de gestão do século XXI foram reconhecidos nas salas do Conselho de Administração e dos executivos e, de vez em quando, vemos uma tentativa realmente séria de inovação gerencial. No entanto, nosso progresso até agora tem sido limitado por nosso paradigma de gestão baseado na burocracia e centrado na eficiência. A maioria de nós continua pensando como cães.

- Gary Hamel (no livro "O Futuro da Administração" (Campus, 2008)).


O texto do Hamel é de 2007. Ou seja, saiu antes da crise que nos assola. Mas é pesadíssimo, como meu negrito mostra. Já Roberto X, em todas as últimas colunas, está influenciadíssimo pelo momento. Chegou a sugerir um plano Cringely: proibir a fabricação de lâmpadas incandescentes. Parece coisa de doido mas tem uma lógica fenomenal. E não custaria US$ 700 bi. Mas eu fugi do núcleo do graffiare...

Iludidos pelas maravilhas tecnológicas e pela louca dinâmica dos tempos modernos, não percebemos que algo ainda mais importante está acontecendo. "Verdades" e fundamentos centenários estão sendo cada vez mais questionados. Por gente de todos os cantos. De Masi, Hamel, Cringely, Seth Godin, o Universo do Software Livre e o Manifesto Ágil. A mensagem é espalhada em escala astronômica e nos mais diversos formatos e vocabulários. Hamel fala com CEO's e gente do alto escalão de empresas. Cringely grita com CIO's e conversa com geeks. Godin fala com marketeiros e afins. De Masi com sociólogos, psicólogos e loucos. O Manifesto Ágil com outros tipos de loucos. Mas o núcleo da mensagem é o mesmo. E é legal, promissor. Outro atestado de que vivemos numa época muito jóia. (E louca e perigosa. Mas, acima de tudo, jóia).

Nossa área é única no mau uso de boas idéias. CRM, SOA e BPM estão aí para mostrar que não minto (sozinho). O que dizer então quando adotamos péssimas idéias? A mais daninha-danosa delas atende pelo nada singelo pseudônimo de "Fábrica de Software".

A infelicidade já começa no nome: "Fábrica"? Um termo centenário, nos remete ao início da famigerada era industrial [1]. "De Software"?? A 'alma' das empresas (e de várias outras coisas, do refrigerador ao carro) do século XXI. Os dois termos são incompatíveis. Distantes no tempo, representam dois mundos muito diferentes. Quem teve a infeliz idéia de juntá-los?

Não importa. O que importa aqui é o tamanho do estrago que a triste idéia está causando. Nos últimos anos tive a chance de conhecer vários exemplos. Desde pequenas 'fábricas' no interior até mastodontes transnacionais em algumas capitais. Independente do porte ou localidade, quase todas compartilham duas coisinhas:

  • Clientes insatisfeitos; e
  • Processos quebrados.
Qual a razão da insatisfação dos clientes? Oras, a péssima qualidade dos serviços prestados pelas fábricas. E por que então os clientes não buscam outras alternativas? Alguns buscam... outras fábricas. E descobrem que o problema é generalizado. Que, no popular, estão 'num mato sem cachorro'. Em alguns casos ficam aprisionados na fábrica "menos pior". E sabe por que ela é menos pior? Porque contratou ex-funcionários de seus clientes, gente que manja um pouco daquele negócio e seus 'sistemas legados'.

O cliente merece o inferno que vive. Afinal, terceirizou a criação e manutenção de um de seus principais ativos - o Software. Ele não percebe que aquele tanto de código que ele 'embarca' em seus processos de negócio é puro conhecimento. É conhecimento destilado, fino, sensível e abrangente. É conhecimento sobre suas estratégias, regras e recursos. Enfim, este cliente não entendeu ainda que Software é um Ativo. Um ativo que deveria merecer, no mínimo, o mesmo tratamento dispensado aos ativos tangíveis (seus caminhões, servidores, grampeadores...). Pensando bem: tire o "no mínimo". Melhor, tire a comparação com ativos tangíveis. Software é um ativo que deveria ser tratado como a grana que o negócio guarda em caixa (1 e 2) e nas contas bancárias.

Obs.: Não estou dizendo que toda terceirização é ruim, pelamordedeus! Mas é preciso saber O que Não Terceirizar [2].

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E por que o processo das fábricas é quebrado? Oras, dá pra confiar no processo d'uma empresa que nem soube definir sua razão social? De uma empresa que achou chique entrar na moda das "fábricas"? Colocando d'outra maneira: é possível que exista uma Fábrica de Software?

Ficando no básico: fábricas, em seu conceito original, reutilizam peças e componentes. Está aqui um dos elementos fundamentais de uma fábrica. Nossas fábricas reutilizam alguma coisa? Oras... nem o CMMI nível 5 sabe o que é reuso! Mas o buraco é mais embaixo. Bem pra baixo...

As fábricas pressupõem a desumanização de um típico trabalhador do conhecimento. Traduzindo: esperam que os programadores não pensem, ou pensem o mínimo. Algumas, no íntimo, torcem para que chegue logo o dia em que os macaquinhos gerarão código em troca de bananas. Seriam mais úteis para seus clientes e para a sociedade se investissem grana na automação das partes repetitivas do trampo do desenvolvimento de software. Se pesquisassem e gerassem excelentes frameworks e geradores de código. Mas a maioria preferer pagar '3 mínimos' para um moleque de 18 anos realizar 3 CRUD's [3] por dia...

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As fábricas de software têm um irmão: os serviços de telemarketing. O supra-sumo da idiotice de um século que insiste em não acabar [1]. Com eles as empresas terceirizam alguns de seus processos primários mais vitais: o relacionamento com clientes. E terceirizam boa parte de seu cérebro para as fábricas. Talvez percebam o tamanho da imbecilidade no dia em que restar apenas o departamento financeiro... Será? Sei não...

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Notas:
  1. Leia qualquer livro do Domenico De Masi para entender pq a era industrial é famigerada (e pq o século XX demora pra acabar). Pode ser qualquer um mesmo... é que ele é meio repetitivo...
  2. Nome de um pequeno artigo publicado em "E-Business e Tecnologia", uma coletânea da HSM Management publicada em 2001 pela PubliFolha.
  3. CRUD (Create, Retrieve, Update, Delete), termo que utilizamos para identificar aquelas telinhas para manutenção em tabelas.

And I feel fine! [1]

Para um comunista-não-praticante [2] é um momento único: saboroso e trágico, hilário e dramático. Momento que, creio eu, nenhum escritor de ficção imaginou. Não por falta de aviso. Lá em 2002 Mr Buffet já avisava: "Dizem que a crise será rasteira e passageira; eu digo que será longa e profunda". Agora as duas faces da mesma moeda, bArack e McPain, brigam pela 'amizade' de Mr Buffet. Pretendem que ele tenha uma resposta, como indicaram no último debate. Demonizam o deus anterior, que cuidava do Fed, e tentam eleger um novo salvador. Enquanto isso, em Wall Street, vale o "salve-se quem puder".

E o Estado é chamado para salvar bancos. Na surdina, num beco qualquer do 1º mundo, alguém trata de queimar todas as cartilhas publicadas pelo FMI nos últimos 30 anos... Eu disse, o momento é saboroso. E nosso governo, em total sintonia com as grandes nações, rabisca um PROER 2.0: nossos bancos também merecem salvação!

E o mundo derrete; trilhões de dólares evaporam... e a culpa é daqueles irresponsáveis que compraram uma casinha? O mundo vai acabar por causa d'umas hipotecas mal contratadas?? O momento é realmente hilário.

Mas não deixa de ser trágico. Todos seremos afetados, d'uma maneira ou d'outra. Menos que os brothers do andar de cima (espero), mas seremos. Prudência e muita calma neste momento é tudo o que interessa.

A bonança tá logo ali no horizonte (2009? 2010?). E uma certeza a gente já pode ter: teremos um mundo melhor depois dessa zona toda. Apesar das moedas e suas faces. Apesar dos bancos. Apesar da incurável ganância do homo-obesus... Amanhã vai ser outro dia [3].

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  1. Título de uma música do R.E.M.
  2. Ser comuna ("de esquerda" é um termo melhor, apesar de muitos atestarem seu óbito) no 3º mundo é usar crachá de bitolado. É sério, tenho vergonha daqueles que deveriam representar tal visão. Viram a última eleição? Os candidatos "extremos" dão aula, não falam de planos pras cidades. São mais chatos que picolé de chuchu. E pensar que a mesma "asa" conta com Niemeyer, Chico Buarque, L.F. Veríssimo...
  3. E por falar em Chico.

Michael Hammer

01 outubro 2008

Abril de 94. Só sei a data porque na época tinha a mania de anotar na primeira página dos livros a data de aquisição E leitura [1]. Já ia para o meu 8º ano de carreira e o 1º na Coopersum - Cooperativa Regional do Sul de Minas. Sua matriz ficava em Elói Mendes, a popular "Mutuca", distante 15km de Varginha e com cerca de 18 mil habitantes. Pela primeira vez eu tinha necessidade de entender melhor um negócio. Até então, desenvolvendo sistemas que cuidavam exclusivamente de processos de apoio [2], os negócios pareciam todos iguais. Agora não: era uma Cooperativa de leite, um "trem" complexo que além do leite (comprado e vendido), envolvia também um supermercado, duas lojas de produtos agroveterinários, um posto de combustível e outras coisinhas. Milhares de itens em estoque. Um produto principal que se perdia em um dia. E uma clientela principal bastante particular: todos eram donos do negócio também - os cooperados. O que eu sabia sobre sistemas não bastava.

Para complicar, e para quem não se lembra ou viveu, é a época da implantação do Real. As mudanças eram drásticas não só nos sistemas e processos. Nossa cultura de "inflação" (e correção monetária e índices para tudo) ainda era vivíssima. Meus conhecimentos sobre sistemas, definitivamente, não bastavam.

Também não era era de Internet. Aproveitei um passeio por Varginha para uma visitinha na então única livraria da cidade, a Livraria do Estudante. Como hoje, as seções de TI e Negócios ficam na mesma prateleira. Ignorei os dBase, Basic, Wordstar, Unix e afins. Pela primeira vez eu queria um título que me ensinasse *negócio*. Minha visita deve ter durado uns 90 minutos (minha média até hoje em livrarias). Folheei algumas dezenas certo de que levaria o primeiro livro que peguei: "Reengenharia: Revolucionando a Empresa", de Michael Hammer e James Champy (Editora Campus, 1994). (Coloquei o link, mas a livraria tá informando que o título está esgotado).

Estranha opção já que, considerando alguns de meus critérios da época, o livro representava o oposto: breve (180 páginas); pouco visual (só 2 diagramas!); e muito atual (ou seja, carecia do 'estofo' que só o tempo dá). Por outro lado o livro parecia muito objetivo, prático mesmo. A linguagem não me assustou, pelo contrário. Não havia ali um mísero termo técnico estranho ou que não fosse bem explicado (para um leigo). Então eu comecei a aprender sobre negócios no eXtremo. Saca só o sub-título: "Revolucionando a Empresa!". O apelo definitivo, que me fez desconsiderar alguns títulos de Peter Drucker, foi escrito pelo mesmo no topo da capa: "A reengenharia é o novo e precisa ser realizada". Corrigindo: apelo definitivo mesmo estava no rodapé da capa: "Esqueça o que você sabe sobre como as empresas devem funcionar: quase tudo está errado!". Wow!!! Pra que então eu compraria um livro 'antigo' ou 'errado', certo?

Hoje, 14 anos depois, "Reengenharia" (o livro) aparece em vários pontos do meu trabalho para Formação de Analistas de Negócios: nos conceitos de processos de negócios, no diagnóstico das doenças que acometem processos etc. Como John Sculley previu na contra-capa, ele virou sim uma "bússola e mapa-múndi empresarial do século XXI". Mas nem sempre foi assim.

O termo *reengenharia* foi eleito o bode expiatório de um monte de cagadas realizadas por grandes empresas na época. O confundiram com 'confusores' como downsizing, rightsizing e outras propostas que não ditavam nada que não fosse o corte sumário e imediato de mão-de-obra. Reengenharia virou palavrão, bafo de alho ... moda tão efêmera quanto a lambada.

Os autores, principalmente Hammer, ficaram marcados. Boa parte de seus trabalhos seguintes pareciam tentar corrigir ou justificar suas propostas. Mesmo aqueles que 'esticaram' o tema não receberam uma migalha da atenção que recebeu a obra-prima. Pra ter uma idéia: meu livro, adquirido pouco após o lançamento, já era a 12ª edição!

Só fiquei sabendo na semana passada que no último 3/set Michael Hammer se foi, com 60 anos. Se foi sem o devido reconhecimento de sua obra. Se foi sem saber que um projeto na pequena Mutuca só deu certo porque seu livro me fez *ver* um negócio. Me fez entender que um negócio não é representado pelo seu organograma, mas pelo Mapa de Processos - sua parte dinâmica, viva.

Finalmente, para entender porque seu trabalho continua tão atual, basta dizer que apenas um ERP tupiniquim sabe "fazer" ABC (Custeio Baseado em Atividades) - o resto se limita à secular contabilidade "por centros de custo". Basta dizer que uns 80% de nossos negócios ainda não entendeu que já entramos na era da concorrência baseada em processos. E que nem metade dos que entenderam conseguiram de fato implantar uma visão de processos. Compartilho a certeza do Hammer: cedo ou tarde o farão, por bem ou por mal.


Notas:

  1. Atualmente não consigo mais manter o 'E'. Entre a aquisição e a leitura, meses se vão. E não sei se estou comprando mais do que consigo ler ou lendo menos (ou mais devagar). Pena.

  2. Processos de apoio (ou secundários) são todos aqueles que uma empresa paga para não ter - justamente porque não faz grana com eles. Por isso são os primeiros a ser terceirizados. Em todo o meu início de carreira, eram o único alvo dos sistemas de informação: Contabilidade, Folha de Pagamento, Contas a Receber e Pagar etc. A turma de hoje é feliz e não sabe quanto, informatizando processos primários (70%) e de gestão (20%). Obs: os percentuais são só chutes deste que aqui pixa.