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Graffiti \Graf*fi"ti\, s.m.
desenhos ou palavras feitos
em locais públicos. 
Aqui eles têm a intenção de 
provocar papos sobre TI e afins.

O Graffiti mudou!

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Abril de 94. Só sei a data porque na época tinha a mania de anotar na primeira página dos livros a data de aquisição E leitura [1]. Já ia para o meu 8º ano de carreira e o 1º na Coopersum - Cooperativa Regional do Sul de Minas. Sua matriz ficava em Elói Mendes, a popular "Mutuca", distante 15km de Varginha e com cerca de 18 mil habitantes. Pela primeira vez eu tinha necessidade de entender melhor um negócio. Até então, desenvolvendo sistemas que cuidavam exclusivamente de processos de apoio [2], os negócios pareciam todos iguais. Agora não: era uma Cooperativa de leite, um "trem" complexo que além do leite (comprado e vendido), envolvia também um supermercado, duas lojas de produtos agroveterinários, um posto de combustível e outras coisinhas. Milhares de itens em estoque. Um produto principal que se perdia em um dia. E uma clientela principal bastante particular: todos eram donos do negócio também - os cooperados. O que eu sabia sobre sistemas não bastava.

Para complicar, e para quem não se lembra ou viveu, é a época da implantação do Real. As mudanças eram drásticas não só nos sistemas e processos. Nossa cultura de "inflação" (e correção monetária e índices para tudo) ainda era vivíssima. Meus conhecimentos sobre sistemas, definitivamente, não bastavam.

Também não era era de Internet. Aproveitei um passeio por Varginha para uma visitinha na então única livraria da cidade, a Livraria do Estudante. Como hoje, as seções de TI e Negócios ficam na mesma prateleira. Ignorei os dBase, Basic, Wordstar, Unix e afins. Pela primeira vez eu queria um título que me ensinasse *negócio*. Minha visita deve ter durado uns 90 minutos (minha média até hoje em livrarias). Folheei algumas dezenas certo de que levaria o primeiro livro que peguei: "Reengenharia: Revolucionando a Empresa", de Michael Hammer e James Champy (Editora Campus, 1994). (Coloquei o link, mas a livraria tá informando que o título está esgotado).

Estranha opção já que, considerando alguns de meus critérios da época, o livro representava o oposto: breve (180 páginas); pouco visual (só 2 diagramas!); e muito atual (ou seja, carecia do 'estofo' que só o tempo dá). Por outro lado o livro parecia muito objetivo, prático mesmo. A linguagem não me assustou, pelo contrário. Não havia ali um mísero termo técnico estranho ou que não fosse bem explicado (para um leigo). Então eu comecei a aprender sobre negócios no eXtremo. Saca só o sub-título: "Revolucionando a Empresa!". O apelo definitivo, que me fez desconsiderar alguns títulos de Peter Drucker, foi escrito pelo mesmo no topo da capa: "A reengenharia é o novo e precisa ser realizada". Corrigindo: apelo definitivo mesmo estava no rodapé da capa: "Esqueça o que você sabe sobre como as empresas devem funcionar: quase tudo está errado!". Wow!!! Pra que então eu compraria um livro 'antigo' ou 'errado', certo?

Hoje, 14 anos depois, "Reengenharia" (o livro) aparece em vários pontos do meu trabalho para Formação de Analistas de Negócios: nos conceitos de processos de negócios, no diagnóstico das doenças que acometem processos etc. Como John Sculley previu na contra-capa, ele virou sim uma "bússola e mapa-múndi empresarial do século XXI". Mas nem sempre foi assim.

O termo *reengenharia* foi eleito o bode expiatório de um monte de cagadas realizadas por grandes empresas na época. O confundiram com 'confusores' como downsizing, rightsizing e outras propostas que não ditavam nada que não fosse o corte sumário e imediato de mão-de-obra. Reengenharia virou palavrão, bafo de alho ... moda tão efêmera quanto a lambada.

Os autores, principalmente Hammer, ficaram marcados. Boa parte de seus trabalhos seguintes pareciam tentar corrigir ou justificar suas propostas. Mesmo aqueles que 'esticaram' o tema não receberam uma migalha da atenção que recebeu a obra-prima. Pra ter uma idéia: meu livro, adquirido pouco após o lançamento, já era a 12ª edição!

Só fiquei sabendo na semana passada que no último 3/set Michael Hammer se foi, com 60 anos. Se foi sem o devido reconhecimento de sua obra. Se foi sem saber que um projeto na pequena Mutuca só deu certo porque seu livro me fez *ver* um negócio. Me fez entender que um negócio não é representado pelo seu organograma, mas pelo Mapa de Processos - sua parte dinâmica, viva.

Finalmente, para entender porque seu trabalho continua tão atual, basta dizer que apenas um ERP tupiniquim sabe "fazer" ABC (Custeio Baseado em Atividades) - o resto se limita à secular contabilidade "por centros de custo". Basta dizer que uns 80% de nossos negócios ainda não entendeu que já entramos na era da concorrência baseada em processos. E que nem metade dos que entenderam conseguiram de fato implantar uma visão de processos. Compartilho a certeza do Hammer: cedo ou tarde o farão, por bem ou por mal.


Notas:

  1. Atualmente não consigo mais manter o 'E'. Entre a aquisição e a leitura, meses se vão. E não sei se estou comprando mais do que consigo ler ou lendo menos (ou mais devagar). Pena.

  2. Processos de apoio (ou secundários) são todos aqueles que uma empresa paga para não ter - justamente porque não faz grana com eles. Por isso são os primeiros a ser terceirizados. Em todo o meu início de carreira, eram o único alvo dos sistemas de informação: Contabilidade, Folha de Pagamento, Contas a Receber e Pagar etc. A turma de hoje é feliz e não sabe quanto, informatizando processos primários (70%) e de gestão (20%). Obs: os percentuais são só chutes deste que aqui pixa.

2 responses to "Michael Hammer"

  1. Nossa Paulo, a quanto tempo que não vejo alguém falar bem de reengenharia de processos.

    Meu contato com o assunto foi com o excelente "Reengenharia de Procesos" do Thomas Davenport. Foi escrito um ano antes do manifesto do Hammer (1992) e até onde a minha memória permite (li em 98) foi um dos melhores livros que já li.

    A versão brasileira também está esgotada mas a edićão americana continua disponível.
    http://www.amazon.com/exec/obidos/tg/detail/-/0875843662/qid=1074053509/tomdavenportc-20

    IMHO, altamente recomendado.

    []'s Jonas

    jonas

  2. Nossa Jonas, tens também uma leitura bastante eclética, não? hehe..

    Olha, o Davenport foi rápido na redação do livro mas não merece crédito pela "invenção" do termo Reengenharia. A dupla Hammer/Champy, na edição de jul/ago de 90 da Harvard Business Review, publicou um artigo chamado "Reengineering: Don't Automate, Obliterate". Três anos depois publicariam o livro em questão.

    Sobre o artigo citado: sim, é apelativo e perigoso como "IT Doesn't Matter"... principalmente porque muita gente lê só o sumário executivo e sai falando bullshitagens por aí...

    Abraços,

    Paulo

    Paulo Vasconcellos

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