O Nostálgico
Ele só chegou em casa hoje. Bermuda suja, camiseta de um bloco da Bahia. Quando ia começar a falar, ela levantou a mão e disse:
- Espera. Vou chamar as crianças.
As "crianças", na verdade, tinham 18 e 16. Olharam o pai com curiosidade.
- Onde você andou, papai?
- Eu...
A mulher o deteve outra vez. Foi chamar os vizinhos. Só quando já tinha uma dúzia de pessoas dentro da sala, incluindo seu Euclides do andar debaixo, ele pôde começar a falar. Mas estranhou a cara da mulher. Não era cara de uma mulher indignada com um marido que desaparecera na sexta-feira antes do carnaval e só voltara na quinta, de bermuda suja e camiseta do "Muqueca com Farofa". Ela estava sorrindo. Ela estava olhando para ele com carinho.
- Que cara é essa, mulher?
- Você não existe, sabia?
- Como, não existo?
- Você é uma anedota antiga. Marido que foge no carnaval e volta com uma explicação ridícula. Isso é pura nostalgia. Só você, mesmo...
- Deixa ele dar a explicação, mãe.
Ele hesitou. Depois contou que tinha sido seqüestrado por alienígenas e, quando vira, estava atrás de um trio elétrico em Salvador. Fora trazido de volta pelos mesmos alienígenas.
Foi aplaudido. O seu Euclides, do andar debaixo, era o mais emocionado. Aquilo lhe lembrava o seu tempo, quando ele também escapava no carnaval e depois precisava inventar uma desculpa para a patroa. Bons tempos. Não voltavam mais. A não ser assim, como reconstrução histórica, para as crianças.
A mulher estava abraçando o marido, dizendo "Vá tomar seu banho, vá". Ele devia estar cansado, depois de pular todos aqueles dias atrás do trio elétrico. Sem falar das viagens de ida e volta, na espaçonave. Só ele mesmo...
Quando arrombaram a porta do banheiro, horas depois, ele tinha saído pela janela. Ainda bem que a nave ficara por perto. Vai pegar no mínimo mais três dias de carnaval, em Salvador.
- Luis Fernando Veríssimo
(de verdade, surrupiado do excepcional "Orgias")
Precisando d'um disco voador, fale comigo. Boa viagem. Feliz carnaval!
Aproveita pq dia 1º (ou dia 2, né?) finalmente começa 2006.
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