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Graffiti \Graf*fi"ti\, s.m.
desenhos ou palavras feitos
em locais públicos. 
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Necessário desvio da série "A Boutique e a Padoca". No mesmo dia em que publiquei a 2ª parte, aconteceu um encontro de alguns colegas do grupo UML-BR. Foi em Sampa, não pude participar. Mas os educados colegas publicaram uma listinha de conclusões. Uma delas bateu com o tema aqui: "Fábricas (de software) estão com os dias contados". Gelei. Não é o que estou propondo - padocas sempre terão sua utilidade. Mas, relendo as duas partes da série, percebi que tal conclusão seria possível.

Por isso este
post é devido. Esta série quer mostrar o quão diferentes são as Boutiques e as Padocas. Mas, de forma alguma tem a intenção de jogar uma pá de cal no modelo das podocas. Prefiro sugerir revisões e retoques.


Padoca não é Fábrica de Verdade

Adotamos o (infeliz) nome. Implementamos a triste e centenária idéia da "produção em série" baseada em muitas mãos (de baixo custo). E ignoramos a única característica daquela idéia que faria o termo "fábrica" fazer um pouco de sentido: o reuso sistemático. Fábricas de verdade reutilizam 80% de seus componentes, mesmo em produtos "novos". Nossas fábricas de software, em sua grande maioria, não reutilizam nada.

É um tema que mereceu uma série (inacabada) no finito. Resumo: reuso é um velho tabu em nossa área. Uma inequívoca prova de nossa infantilidade. Uma confirmação, como diz Paul Strassmann, do tanto de esforço e inteligência que desperdiçamos. Strassmann, no longínquo 1997, já sugeria [1]:
  • Adotem ferramentas que forcem a construção de software a partir de um repositório de peças padrão reutilizáveis;
  • Façam da acumulação e preservação dos ativos de software um de seus principais objetivos;
  • Ofereçam incentivos para que o staff de sistemas inclua a acumulação de ativos de software como um de seus objetivos-chave; e
  • Aumentem a longevidade dos ativos de informação ao invés de aceitar a suposição de que eles não valerão nada após o breakeven. (Nota: ao contrário do hardware, que se deprecia rapidamente, ativos de software aumentam de valor com o uso e com o tempo).
Todo leigo cai de costas: "quer dizer então que as fábricas de software tratam mal e não administram ativos de software?" Triste constatação. Sim, é verdade. Também causa espanto o fato do CMMI ignorar a questão por completo. Sim, mesmo uma empresa "nível 5" não aprende nada sobre reusabilidade com o CMMI.

Mas, esqueçamos por um momento as questões técnicas e os "certificados". Só a questão econômica já deveria justificar uma busca obsessiva pelo reuso de ativos de software. Brincando de matemática (conta de padoca, ok?): uma fábrica que conseguisse executar um projeto reutilizando peças para cobrir, digamos, 30% do escopo, teria plenas condições de brigar contra indianos e chineses. Vendendo mais barato! Ah, mas eles não custam US$ 1/hora? Balela. O valor médio cobrado por lá é de US$ 15/hora. Na China é US$ 20! A Irlanda, outro grande fornecedor de serviços de TI, cobra US$32/hora em média [2]. Ou seja, nosso preço (mesmo com o mal compreendido / mal explicado"custo Brasil"), não está longe da média mundial. A questão é outra: não vale a pena brigar por preço. Não no modelo atual (baseado em mão de obra barata). A briga deveria ser mais inteligente. Criativa.

Há uma explicação para o descaso com o reuso: seu custo. O reuso sistemático requer um caro investimento. Não tanto em ferramentas (hoje em dia elas são grátis e abertas), mas em processo e educação. Nossa miopia, que Goldratt chama de mirar exclusivamente "o mundo dos custos" [3], nos impede de dar a devida atenção para o retorno do reuso: ganho de produtividade de 58% em 4 anos! Redução de custos de até 79% (em 6 anos) [4]!! Nossa miopia é sintoma d'outro mal: o imediatismo. Quem pensa em 6 ou 4 anos? Taí o "x" da questão.

De qualquer maneira, a implantação do reuso sistemático daria outra cara para nossas padocas. Um sinal de maturidade que está muito além daquela medida pelo CMMI (que também é o padrão das padocas indianas).


Padoca não tem Identidade

Vimos algumas tentativas de criar uma identidade para o "software tupiniquim". Para nos diferenciar. Surgiram coisas como "nearshore" e outras que não merecem espaço e tempo. Deveríamos só ter copiado nossos exportadores de café. Um "selo" e uma entidade independente certificadora. Uma entidade totalmente independente do governo, por favor!

Imagine uma "fábrica de testes" que certificaria todo software exportado pelo Brasil. É isso. Só isso? Não é "só" e leva tempo. Mas, entendendo que o reuso por si só cria uma diferença notável em todas as nossas propostas, é questão de tempo para que o selo "software tupiniquim" seja tão ou mais relevante que um "selo" CMMI. Considerando que desperdiçamos os últimos 10 anos com n varadas n'água, o que são 4 anos de amadurecimento real?


Padoca Vende Tudo para Todos

Não raro, numa padoca de periferia (de facto), vemos até sabonetes e detergentes. Céus! Padocas especializadas ganham mais com seu produto principal - que é especial. Um produto que não cabe no bolso de todo mundo. Ou não cai no gosto de todo mundo. Um portfólio de produtos e / ou serviços muito aberto sempre gerará desconfianças. É simplesmente impossível ser bom em tudo.

A opção pela verticalização de ofertas reforça e é reforçada pela implantação do reuso sistemático. Se a fábrica só atende seguradoras, por exemplo, a possibilidade de reutilizar ativos sobe de 30% (ativos horizontais, genéricos, de infra) para mais de 60% (ativos que representam aspectos do negócio, especialistas). O enjoativo termo "foco" é mal utilizado em 90% das vezes.


Uma Padoca nunca tem Culpa

A culpa é sempre dos outros. Do cliente, da vigilância sanitária, do gerente (que, claro, é sumariamente demitido) etc etc. Mas, a pior das desculpas surge quando se pergunta porque a balança comercial do setor é deficitária em mais de US$ 1 bilhão por ano desde 1999. Saca só as conclusões deste estudo. Segundo ele, "os entraves para o crescimento do setor são":
  • Tributação;
  • Desinteresse em promover programas nacionais;
  • Inexistência de instituições que viabilizem, em larga escala, o desenvolvimento de software no mercado brasileiro; e
  • Dificuldade de financiamento para o setor.
    Obs.: neste último ponto, o artigo destaca que a dificuldade é acentuada "pela inexistência de patrimônio que sirva de garantia aos agentes financeiros. O fator se agrava com a rápida depreciação dos ativos na área, devido ao contínuo avanço tecnológico."
    Num país que tem crédito até para quem tem o nome no SPC e no SERASA, êita desculpinha difícil de engolir.

Reparem bem. Toda a culpa parece ser do governo. É a mesma história desde que os militares inventaram a reserva de mercado. As padocas nunca assumem responsabilidade nenhuma! Se as padocas insistirem nesse papo, faz sentido a (desiludida) conclusão do Meira [5]:

talvez devamos mesmo nos render à "vocação natural" do brasil, de ser o celeiro do planeta, e deixar este negócio de software para povos mais educados. e capazes. e mais conscientes.
Eu sou teimoso. E um otimista incurável. Ainda acho que é muito fácil "zerar", no mínimo, o saldo da balança comercial. Claro, não basta aumentar as exportações. Passou da hora de parar de mandar grana pra fora para bancar editores de textos e planilhas eletrônicas, né? Mas esse é outro papo.

O fato é que uma combinação inteligente de fábricas, boutiques e oficinas pode dar outro destino para nosso mercado de TI. Opa, eu disse oficinas?


Oficinas

Tive contato com centenas de pequenas e médias empresas (PME's) de software nos últimos anos. É relativamente comum ouvir a seguinte questão: "vale a pena investir em CMMI?". A impressão que dá é que o único modelo que as PME's conhecem é o modelo das "grandonas". Como falta um bocadinho de criatividade, não são poucos os que apelam para a simples cópia. Um cópia que faz tanto sentido quanto a rede de supermercados Maiolini, daqui de Varginha, imitar a rede francesa Carrefour. Não dá, né?

Há um espaço imenso para oficinas. Maior que aquele disponível para boutiques. Como é uma aposta de menor risco, talvez fosse o caminho natural para 80% de nossas PME's de TI. Não estou "chovendo no molhado". Eu sei que a maior parte delas já atua assim, como uma oficina. Mas sua relação com as fábricas é distante e informal. Por exemplo, só em torno da Microsiga existem dezenas de pequenas 'oficinas'. Na maior parte formada por ex-funcionários, eles oferecem serviços de instalação, customização e manutenção do ERP fornecido por aquela empresa. Hoje são tratados como concorrentes. Todos ganhariam mais se a relação, inevitável, fosse formalizada e aproximada. Para cada oficina formal da MS, existem 50 informais. Os exemplos são vários.


Combinação Inteligente

Num dos vários artigos "oficiais" que li sobre estratégia e inovação, vi que aquilo que chamo de "combinação inteligente" tem um nome pomposo: "Adensamento do Tecido Produtivo". Um conjunto isolado de fábricas, por mais "nível 5" que estampe em seus prospectos, não faz muita diferença no mercado externo (e menos ainda no interno). Um conjunto isolado de boutiques, por mais "jeitinho brasileiro" que exale, não faria muita diferença no mercado externo. Oficinas não existem sozinhas.

Há tempos esperamos que governo, Softex ou um santo de plantão faça a necessária amarração. Sorte que estamos todos sentados. Porque podemos esperar mais 100 anos que nada acontecerá. Se a gente não quiser seguir o caminho sugerido pelo Meira, tá na hora de se mexer. Primeiro passo: fazer os primeiros laços, de baixo para cima. Fábricas estreitando seu relacionamento com oficinas. Fábricas utilizando produtos das boutiques. Fábricas incentivando e lançando boutiques. Boutiques gerando serviços para fábricas através de seus produtos.


Ok. Soou simplista demais. Mas acho que é por aí. No próximo episódio falarei especificamente sobre os produtos e serviços das boutiques. Inté.


.:.

Notas:
  1. "The Squandred Computer" - Paul Strassmann, The Information Economics Press (1997). Texto obrigatório para empresas e governos. Tem 10 anos? Segue obrigatório: somos lentos demais.
  2. Números extraídos da revista Wired de fevereiro de 2004. Uma das capas de revistas mais belas e criativas de todos os tempos. Clique para ver uma versão ampliada.
  3. "A Meta" - Eliyahu Goldratt, Nobel (2002).
  4. "Rapid Development" - Steve McConnell, Microsoft Press (1996).
  5. Coincidência? Meira foi coordenador da maior pesquisa já realizada no hemisfério sul sobre Reuso de Ativos de Software. Conheça o RiSe. Baixe o CRUISE. Reuse!

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