Nossa capacidade para detonar boas idéias parece realmente inesgotável. A penúltima incomensurável detonação aconteceu com CRM (Gerenciamento do Relacionamento com Clientes), lá no início do século. Aquela boa sugestão de estratégia, que não serve para qualquer empresa, se transformou em dispendiosas caixinhas e balelas nocivas como nossos serviços de telemarketing. Ainda restam sobreviventes. Existem teimosos porque a proposta CRM é realmente inevitável. Principalmente para empresas cuja estratégia se baseia em soluções completas ou aprisionamento - ou seja, para empresas que realmente dependem de um excelente gerenciamento da relação com seus clientes para realizar sua missão. O papo é meio 'heavy' mesmo, com alguns termos 'especialistas'. Mas, para bons entendedores, meus pingos devem ser suficientes.
Falemos, então, sobre nossa mais recente tentativa de assassinato: BPM, de Business Process Management ou Gerenciamento de Processos de Negócio. A proposta gira por aí de uns 5 anos para cá. Agora parece estar morro acima, com maior interesse e mais gente falando em sua adoção. Na penúltima EXAME (Edição 932, 3/dez) por exemplo, há um pequeno quadro comentando uma pesquisa realizada com 98 empresas tupiniquins como Pão de Açúcar, Claro e Siemens. 71% das empresas estão falando que investirão mais em BPM no ano que vem. 27% torrarão a mesma grana gasta em 2008. E apenas 2% falam em redução do orçamento. O artigo não menciona se a pesquisa aconteceu antes ou depois de nosso mais recente "crash", mas isso não importa. O que importa é que muita grana dos orçamentos de TI fluirá para iniciativas BPM. Isso é bom?
Seria, se não estivéssemos fazendo tudo errado de novo. Seria, se a gente não estivesse mais uma vez colocando a carroça na frente dos touros - começando pela aquisição de caras caixinhas. Seria se a gente não se esquecesse que o "B" de BPM significa Business: É o negócio, beócio!
Como o ônus da prova é de quem acusa, relaciono abaixo uma breve lista de BPM (Bullshitagens por Minuto) que tenho visto, ouvido e lido por aí:
- A gente ainda não sabe direito o que é um Processo de Negócio. Sim, vendemos e compramos caixinhas de Sistemas para o Gerenciamento de Processos de Negócio (BPMS), mas simplesmente não sabemos direito o que é um processo. Keith Swenson da Fujitsu, por exemplo, não é um novato na área. Mas em um artigo ele afirma que "processo de negócio é uma coisa que a empresa quer ver realizada". Há tempos não via definição tão bisonha. E perigosa, afinal vem de gente que tá vendendo caixinhas BPMS.
- Mas o maior perigo do artigo não está neste detalhe (fundamental, mas um detalhe).
Está em sua apresentação do que seria um "puro" sistema BPM: "o usuário desenha um diagrama e o executa". Sem necessidade de desenvolvedores, analistas e empecilhos afins! Claro que muita gente adora esse papo. Mas isso aí é pura propaganda enganosa! Keith faz uma infeliz comparação de BPMS com planilhas eletrônicas. Ignora a complexidade que representa a grande maioria dos processos de negócio (mesmo em pequenas empresas). Ignora as terríveis amarrações ponto-a-ponto que fizemos entre sistemas e processos. Não estou sozinho nesta avaliação, ok? - Voltando ao Brasil, percebemos graves evidências deste crime em fase de execução. Em um grupo de discussão um dia pintou uma thread mais ou menos assim: "olha, fomos alocados em um projeto BPM. Estamos com um probleminha: por onde começamos?". Piora: "o que devemos estudar?"
- Tem CIO e gerente de informática que ainda compra por comprar. Compra porque seu vizinho comprou. Compra porque a Info "Bullshitagem" Corporate falou que tem um monte de gente comprando. BPM entrou nessa ciranda mortal - no genocídio de boas idéias. O cara não tem uma única pessoa em sua equipe que saiba diferenciar um processo primário de um processo de apoio. Mas já tem na prateleira uma brilhante (e cara) caixinha BPMS.
- Quando confrontado com o despreparo de sua equipe, o "gênio" aparece com duas alternativas: terceiriza tudo ou então manda alguns subordinados para um cursinho de BPMN. Cadê o negócio, beócio?
- Toda e qualquer iniciativa de TI deveria mostrar claramente qual benefício de negócio é esperado. Ou qual risco será combatido. Isso é rastreabilidade de verdade: "tá vendo esse centavo aqui? Ele gerou aqueles 2 reais ali". Ou "ele economizou aqueles 2 reais ali.".
É simples. A gente é que complica. - Por exemplo: em outra thread do mesmo grupo que, diga-se de passagem é excelente (Yahoo: BPM-Forum), debatemos sobre a necessidade ou não de modelos "as is" - modelos que reflitam a situação atual de determinado processo de negócio. Caramba: como seria possível redesenhar uma coisa que não se conhece? BPM virou arte abstrata?
- Fica nítido, inclusive no artigo que originou a thread, o quão longe do "B" estão as iniciativas BPM. A motivação para o redesenho deveria ser a primeira pergunta. Entenda: a implantação de um BPMS é um redesenho. Estamos "embarcando" novo software em determinado(s) processo(s) de negócio. Por quê? Qual é a nossa motivação? O que o negócio espera ganhar com isso? Aliás, o negócio sabe o que estamos aprontando com seus processos?
- Me assusta também uma certa imaturidade e a grande indefinição que existe em torno de um dos pilares dos BPMS, o padrão BPMN (Business Process Modeling Notation). Ao ser incorporado ao portfólio do OMG (Object Management Group) criou-se a expectativa de que o padrão ganhasse o estofo que garante a robustez de outro conhecido padrão do grupo, a UML. Acontece que IBM, SAP e Oracle, por razões não totalmente confessáveis, não querem que BPMN seja um padrão de facto como é a UML. Portabilidade, consequência natural da adoção incondicional de padrões, nunca interessou a quem baseia seu negócio no aprisionamento de fregueses.
- Finalmente, uma constatação que muito me entristece. Nos últimos tempos tive a chance de conhecer algumas iniciativas BPM. Sabe o que vi? Workflow de um micro-processo para reembolso de despesas; outro para a programação de férias; outro (robusto!) para o encaminhamento de solicitações para a área de TI...
Coisas que eu já via, cerca de 10 anos atrás, implementadas com o Lotus Notes. Pior: já teve gente que me disse que com o Notes era mais fácil e mais barato!!! Ok, BPMS garante (ou promete) um pouco mais de portabilidade, característica inexistente no Notes. Mas será que a automação de processinhos-besta é tudo o que podemos fazer com as caras caixinhas BPMS?
Aos juízes que avaliaram minhas evidências e têm um certo poder de decisão sobre o seu orçamento de TI tenho algumas sugestões:
- Esqueça as caixinhas, pagas ou não. Sua empresa só vai precisar delas depois que criar uma cultura de processos. E isso não acontece da noite para o dia. Gostas de checklists a la Abril? Então toma:
a. Sua empresa sabe dizer quais são os seus processos primários? Sabe listar quais deles são chave para a estratégia corrente?
b. Sua empresa já adota o ABC (Activity-Based Costing) ou algo parecido que mostre claramente a performance e saúde de seus processos?
c. Sua empresa já disparou um programa de arquitetura corporativa, preferencialmente SOA (Service-Oriented Architecture), pré-requisito para que aquele sonho do Keith ilustrado no primeiro bullet lá em cima não seja tão mentiroso? - Se você não respondeu SIM, SIM e SIM para as três questões acima, esqueça BPM por enquanto. Não é para ti.
- Você respondeu SIM, SIM e SIM, mas se vê envolvido só com processinhos-besta? Assim BPM vai parecer muito caro para o seu pessoal de negócio. Que tal buscar um processo primário e provar para você e para a patota que paga a dolorosa que BPM pode ser sim um diferencial para a sua empresa?
- E confie desconfiando de todas propostas comensais que normalmente surgem em torno de uma MODA maior: tem nêmora por aí que acaba se provando mais perigosa e cara que o próprio tubarão. Não vou generalizar, mas mineiramente desconfiarei de todo "escritório de processos", "fábrica de processos" e afin$.
Oi Paulo,
Quem é vivo sempre apareço!
Concordo contigo. Minha única ressalva é para uma possível confusão de algum desavisado sobre a diferença entre BPM e BPMS.
O primeiro, sem o "S" existe pelo menos desde os tempos da administração científica de Taylor, com variações de nome e algumas evoluções.
O segundo, com o "S", ainda é uma proposta (bastante promissora) vendida como realidade por alguns que ignoram o fator humano no universo dos negócios.
Para por um contrapeso, acredito que valha a pena investir (com responsabilidade) em BPMS. Principalmente para aquelas empresas que investem em inovação e possuem capital para isso.
Abraços,
Leandro Mendonça
Unknown
12/17/2008 10:39 AM
Fala Leandro!
Não disse que o investimento em BPM não vale a pena. Só disse que existem búfalos que devem ser colocados na frente dessa carroça. Só isso, hehe.
Abraços e muito obrigado pelo comentário.
Paulo
Paulo Vasconcellos
12/17/2008 10:46 AM